Como já um dia escrevi, mamas, para mim, são apenas peças a necessitarem de recauchutagem contínua. E já nem me interessa quem é que trata das coisas, se é o cirurgião A ou o B... Tanto assim é que chego, dispo-me, mostro, eles olham ou mexem ou fazem o que lhes parece necessário e falamos como quem fala de parafusos a substituir, para se poder prolongar um pouco mais o arrastanço existencial do aparelho, uma vez que as restantes peças ainda não justificam propriamente que se desista de tentar deixá-lo andar a uso.
A última vez que fui ao médico foi a 5 deste mês, cinco meses e um dia depois do Tram Flap. Queixei-me do extremo inchaço da barriga, que me provoca dor, incómodo físico e tristeza a nível estético; queixei-me da mama imensa, retirada do abdómen, que está cada vez mais descida, quanto mais não seja pela aplicação da força da gravidade...; queixei-me do meu mal-estar geral, que me impede de trabalhar e de ser feliz. Queixei-me ali, sem roupa, em frente dele, enquanto ele me ouvia e me olhava, com a postura e o ar de quem está, mais uma vez, a condescender em ouvir as mesmas queixinhas de uma doente que devia era estar feliz porque "pode ir para uma praia ou uma piscina sem medo que lhe caia alguma coisa ao chão" (ipsis verbis). E eu fiquei calada, como quase sempre fico... Em quatro anos, ainda não aprendi a responder à letra. Já não devo aprender, portanto. Mas, depois, venho para casa lamentar o que devia ter dito e não disse...
Estava eu nua (não só da cintura para cima, pois ele também tinha a minha barriga para analisar) e tocou o telefone, que ele pediu desculpa por ter de atender, mas que atendeu sem me instruir quanto a manter-me nua ou a vestir-me. E eu ali fiquei, como estava, a ouvir uma conversa que não me dizia respeito, enquanto ele ia olhando para a minha triste figura... Eu olhava para o Pedro, quase a pedir-lhe socorro, mas ele não pôde fazer nada.
No final do telefonema, mandou-me vestir, de imediato!!! E repetiu, de novo, que ainda passou muito pouco tempo sobre a operação, a qual foi uma coisa em grande ("Tem de ver que foi operada, não foi ao cinema..." - ipsis verbis) e que eu tenho de deixar passar o tempo... Acrescentou que há senhoras que ficam com uma protuberância maior e outras com uma protuberância menor (sempre abrindo bem o 'o', a ponto de eu já nem poder com a palavra!) e que eu não me posso esquecer de que tenho uma rede dentro da barriga e que o músculo abdominal já não está lá - "pormenores" de que sua excelência nem sequer me falou antes da operação, apesar de ter tido o cuidado de me perguntar vezes sem fim se eu tinha alguma dúvida... Ora digam-me lá como é que as pessoas podem ter dúvidas sem saberem a matéria?!...
Eu só soube que a minha barriga ia ficar com a sensibilidade toda afetada, quando o senti, depois da operação, e só soube que esta operação implicava a colocação de uma rede no interior do abdómen, depois de já a ter dentro de mim. Mas, agora... não me posso esquecer de que a tenho cá!!!
E quanto à mama grande, pesada (com o dobro ou mais do tamanho da outra) e descaída, tenho de ver que assim é que ele tem margem de manobra, para trabalhar na próxima operação...
O que eu "tenho de"! O que eu devo! E os meus direitos a perceber tudo o que se passa comigo? Quem é que mos satisfaz? ("Não diga mal do que está bem feito!" - e eu já não posso ouvi-lo!)
A esmagadora maioria dos profissionais de medicina que trataram de mim durante estes quatro anos é constituída por homens. Mas que saudades eu tenho de homens! Estes não são isso nem um bocadinho... Estes são técnicos, são mecânicos, são bate-chapas, são costureiros, são especialistas em ministrar produtos para tirar a ferrugem... Ou então... são umas bestas!
Qual foi o que respeitou e valorizou a minha condição de mulher? Qual foi o que me tratou como um ser dotado de sentimentos, de inseguranças, de dúvidas, de medos? Qual foi o que se preocupou com a possibilidade de eu me sentir completamente destruída como pessoa, por exposição a um massacre contínuo?
Nesta fase da minha vida, eu não sou, de facto, mais do que uma coisa, mas uma coisa que dói. E, hoje, parti para este texto depois de ter enviado uma sms ao Pedro dizendo-lhe que sinto falta de homens na minha vida, os homens amigos, os homens colegas, os homens do convívio diário, com os quais se trabalha ou se conversa sobre qualquer assunto, os homens que nos contam uma piada e que também nos mandam um piropo, de vez em quando, os homens que nos fazem sentir bem, bonitas, interessantes, os que demonstram que nos admiram, homens esses que não põem minimamente em risco a nossa relação conjugal, pois até a refrescam. Tenho saudades de contar ao Pedro os piropos que eu recebia, e de, uma vez por outra, brincarmos aos ciúmes, por isso mesmo.
Eu não sou mulher de casa! Mas estou em casa há quatro anos. Porque não consigo estar a trabalhar. O Pedro priva com homens e mulheres diariamente, e é isso que é saudável. Eu, a partir de determinada altura, liguei-me ao Gang da Mama, e isso fez-me muito bem, a vários níveis, mas nem o facto de o assunto que nos une ser quase exclusivamente um "never ending" cancro da mama, por estarem sempre a entrar pessoas no início do processo, nem o facto de o grupo ser apenas formado por mulheres têm sido benéficos para mim.
Aqui a coisa já nem para enfeitar serve (Como se isso fosse bom!...), pois já nem há quem passe por ela, quem a veja. Aqui a coisa é até uma coisa daquelas desinteressantes, sem chama, deformada e amorfa...